Coluna Escola Diversa

É possível um trabalho de educação antirracista na Educação Infantil e Anos Iniciais?

Olá pessoal! Feliz 2024! Estou feliz por estarmos aqui mais um ano, juntas e juntas por uma educação que reconheça, respeite e valorize a diversidade. Por uma sociedade com equidade racial e oportunidades justas. 

Começamos 2024 com um tema importante: Afinal de contas, é possível e necessário trabalhar educação antirracista com crianças pequenas?

Como ser um educador antirracista com uma turma de educação infantil e anos iniciais?

Afinal de contas, qual a idade adequada para se iniciar um trabalho de educação antirracista? Não seria um tema muito árduo para abordar com os pequenos?

Será que as crianças vão entender?

O racismo, a violência que ele causou e causa, a dor, as perdas, a desumanização causada por esta prática tão presente em nossa história e entranhada em nosso cotidiano? Como lutar contra isso engajando crianças de 4, 5 anos, por exemplo?

O filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980) disse que “O importante não é aquilo que fizeram conosco, mas o que podemos fazer com o que os outros fizeram de nós”. 

A questão é que quando somos crianças nossa capacidade de  lidar com alguns conflitos é pequena, quase insuficiente, a depender do assunto. É preciso construir uma visão e perspectiva que nos permita ver as situações de outras formas.

Construindo uma Cultura Antirracista

A educação antirracista não é sobre somente em mediar conflitos já ocorridos. A cultura antirracista propõe um ambiente que não desumaniza a pessoa negra. Um ambiente onde a presença do negro é notadamente proporcional a presença de pessoas não negras. Onde hábitos sociais, culturais, históricos de pessoas negras compõem o espaço tanto quanto outros elementos. 

Imagine duas cenas:

Cena 1

Pedro tem 6 anos. Numa discussão com um colega profere palavras racistas, reproduzindo coisas que presenciou. A escola se posiciona, chama a família, todos se mobilizam para falar o porque aquilo não pode acontecer.

Não há professores negros na escolas (ou há muito poucos). Nas festas, não há convívio com pessoas negras. A biblioteca da escola tem uma quantidade mínima de literatura negra. Em novembro, mês da consciência negra, a escola espalha tecidos africanos por todos os lados. Há capoeira, jongo, comidas afro brasileiras. Uma apresentação exótica do negro. Mas na feira de ciência, onde cientistas são homenageados, onde a escola apresenta os feitos destes cientistas e convidam pessoas para falar sobre o tema, não há negros. 

Há também uma demonização de mitologias negras mas há uma admiração notável das mitologias gregas.

Cena 2

Pedro tem 6 anos. Numa discussão com um colega profere palavras racistas, reproduzindo coisas que presenciou. A escola se posiciona, chama a família, todos se mobilizam para falar o porque aquilo não pode acontecer.

Tanto a escola quanto a família conversam com Pedro para entender o que aconteceu. Inclusive porque, seu livro preferido tem como protagonista um personagem negro. Os professores negros da escolas, junto com os professores não negros, planejam juntos melhores formas de conduzir a situação. Dentro do planejamento, um elemento central será o livro que Pedro tanto gosta. Na história, o personagem tudo servirá de orientação para o trabalho. O livro será um grande aliado neste processo pois Pedro já criou elo afetivo com a história e com o personagem.

Mas então o que fazer? 

Tanto na cena 1 quanto na cena 2 há uma situação de racismo. Construir intencionalmente um ambiente com presença de história e cultura negra não irá necessariamente fazer com que inexistam ocorrências racistas. Lembrem que as crianças vivem e experienciam o mundo dentro e fora da escola.

Mas com certeza, um ambiente plural e diverso, onde há naturalmente presença negra, faz toda diferença. 

Diante disso, reflita:

  • Como está o quadro de funcionários da escola? Professoras, coordenadoras, diretoras, educadores, inspetores… 
  • Em quais momentos a cultura e história do povo negro mais aparece? 
  • Em quais momentos do calendário há convite de pessoas negras para atividades na escola?
  • Como é a festa junina? Crianças negras têm facilidade de companhia? Seus penteados costumam ser um problema, que causam algum tipo de desconforto? Há um padrão do que é um cabelo bonito/arrumado? As percepções de bonito e feio são pautadas a partir de quais padrões?
  • A escola costuma atribuir perigo ou preocupações adicionais às pessoas negras da escola?
  • De um modo geral, quais percepções você e sua escola têm ajudado a construir sobre as pessoas negras?

E como vocês já sabem, essa história não acaba nem aqui nem lá.

Ainda há muito para contar. E eu, que já estou indo embora, te encontro já já!

Até breve

Janine Rodrigues

Educadora, Psicanalista, Escritora

Diretora da Piraporiando Educação e Presidente do Instituto Piraporiando

Sobre o(a) autor(a)

Artigos

Formada em Gestão Socioambiental, com especialização na mesma área pela UFRJ, Janine Rodrigues começou a escrever aos 8 anos de idade e hoje, além de escritora, é educadora e fundadora da Piraporiando, uma das 10 Edtechs mais importantes da América Latina. A Piraporiando é voltada à Educação para a diversidade e desenvolve experiências e conteúdos antirracistas, antibullying, antipreconceito e de promoção da equidade de gênero. Eleita pela Forbes como uma das 12 pessoas negras mais inovadoras, Janine trabalha pela qualidade da educação no Brasil e, atualmente, assina a coluna Escola diversa no blog Redes Moderna.