Eu não costumo seguir o script tradicional da escola — e confesso: faço questão de chutar o balde e desencastelar a educação. Me irrita profundamente a mania de certas instituições escolares olharem apenas para o próprio umbigo, como se o mundo girasse em torno de apostilas e currículos engessados.
A realidade pulsa lá fora — mais veloz, complexa e potente do que qualquer grade escolar simplória. Talvez, por isso meu olhar sobre a prática de educar seja mais barulhento, mais pop, menos comportado e mais inovador. Calma, toda essa pompa para dizer: Vale tudo na educação? Vamos lá, vamos pensar juntos.
Deixa eu te contar…
Na noite de 31 de março, enquanto me acomodava na sala para assistir ao primeiro episódio do remake da icônica novela Vale Tudo, me deparei com a pergunta que ecoa há décadas: “vale tudo para chegar ao sucesso?”. Mais do que ver personagens célebres como Raquel (Taís Araújo) e Maria de Fátima (Bella Campos), senti que o enredo oferece aos educadores um material pulsante para discutir, em sala de aula, valores que moldam a vida em sociedade.
O dilema ético como porta de entrada
Maria de Fátima, com sua ambição desmedida e estratégias questionáveis, lembra a figura de influenciadores que hoje buscam status e curtidas a qualquer custo. Convidar os alunos a se colocarem no lugar dela e a avaliarem se justificariam “meios escusos” em nome de um “bem maior”. Isso é um exercício de empatia moral que traz à tona a responsabilidade de cada um sobre suas escolhas.
Manuela Dias aproveita o remake para inserir discussões que transcendem o folhetim original, dando visibilidade a temas urgentes sob a ótica dos direitos humanos. Ao debater, por exemplo, as consequências de exploração e manipulação em narrativas televisivas, podemos treinar o letramento crítico dos estudantes: como a arte reflete e influencia nossa percepção de injustiças?
Resiliência e construção de identidade
Raquel, colocada para fora de casa pela própria filha e obrigada a recomeçar do zero em um ambiente hostil, personifica a resiliência em estado bruto. A cena emblemática em que ela, com dignidade, prepara e vende sanduíches na praia não é apenas comovente, é simbólica. Ao propor que os alunos reescrevam essa trajetória em primeira pessoa, não estamos só estimulando a criatividade: estamos convidando-os a refletir sobre superação, reconstrução e o papel dos vínculos familiares e comunitários em tempos de crise.
Mas e Maria de Fátima? Sua obsessão em se tornar milionária também merece ser analisada com lupa. No dia 28 de abril, gargalhei com a cena em que ela encara uma banheira cheia de gelo só para impressionar Afonso Roitman. Detalhe: ela decide virar triatleta do dia para a noite, não por paixão, mas por pura estratégia. Não é amor. É o mais puro suco de interesse.
Agora pense: e o aluno que deixa de sair, se isola do convívio familiar e mergulha em horas intermináveis de estudo para passar no vestibular? A lógica seria tão diferente assim?
Pode parecer provocação, mas é reflexão: vale a pena essa comparação?
Eu acredito que sim. Até porque, quando colocamos essa narrativa sob a lente da célebre pergunta de Maquiavel — “Os fins justificam os meios?” — a sala de aula se transforma em um campo fértil de debates éticos, dilemas morais e construção de sentido. E é aí que a educação realmente pulsa.
Da trama ao projeto de vida
Mais do que um estudo de caso, Vale Tudo também transforma-se em laboratório para projetos interdisciplinares: grupos podem produzir “mini documentários” sobre o contexto social de cada personagem, elaborar podcasts que questionem as “regras do jogo” para vencer na vida ou criar infográficos comparando decisões éticas em diferentes momentos da trama. Essas propostas conectam Língua Portuguesa, História, Sociologia e Educação Midiática, desenvolvendo pesquisa, argumentação e fluência multimodal.
Ou seja, em vez de enxergar o remake apenas como entretenimento, podemos utilizá-lo como espelho para que nossos alunos reconheçam conflitos, questionem normas e se empoderem de suas próprias vozes críticas. Pois, assim como em Vale Tudo, na educação também precisamos decidir: vale tudo para formar cidadãos conscientes ou existe algo que jamais devemos abrir mão?
Um abraço do noveleiro,
Tiago Eugênio