Coluna Educação Inovadora

Entre dados e desafios: recomposição das aprendizagens à luz do SAEB 

Nos últimos anos, a educação brasileira tem sido desafiada a lidar com os efeitos de uma crise sem precedentes. A pandemia causada pela Covid-19 acentuou desigualdades históricas e interrompeu processos educativos, impactando especialmente estudantes da rede pública.

Em 2023, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) trouxe dados que escancararam o tamanho da lacuna: 73% dos estudantes do 2º ano do Ensino Fundamental não atingiram o nível adequado de leitura, e 81% apresentaram dificuldades significativas em matemática básica. 

Esses números não são apenas estatísticas frias. São retratos de trajetórias escolares fragilizadas, de professores sobrecarregados e de escolas que precisam urgentemente de apoio para transformar a realidade de aprendizagem. Sendo assim, a recomposição das aprendizagens torna-se uma missão prioritária e exige uma atuação estratégica, sensível e amparada por dados. 

O que os dados nos contam? 

O SAEB é uma ferramenta fundamental para diagnosticar o cenário da educação brasileira. As últimas edições revelam não apenas os efeitos da pandemia, mas também os desafios estruturais que precedem esse momento: ausência de políticas de continuidade, falta de formação adequada para docentes em práticas pedagógicas baseadas em evidências e escassez de ações personalizadas de acompanhamento da aprendizagem. 

Estudos do Todos Pela Educação mostram que os impactos da pandemia resultaram em um retrocesso de mais de duas décadas nos índices de alfabetização. Além disso, segundo levantamento do INEP, o desempenho médio dos alunos do 5º e 9º anos nas avaliações de matemática caiu cerca de 10 pontos na escala padronizada entre 2019 e 2023. 

Com base nesses dados, fica evidente que o desafio não se limita à recuperação de conteúdos, mas à reconstrução de vínculos com a aprendizagem. É preciso repensar o papel da escola como espaço de escuta, acolhimento e intervenção pedagógica qualificada. 

Estratégias para a Recomposição da Aprendizagem 

Diante desse cenário e da proximidade do retorno às aulas, não basta repetir práticas anteriores esperando resultados diferentes. A recomposição das aprendizagens exige uma nova postura: foco no que realmente importa, personalização das práticas e uso inteligente do tempo pedagógico. A seguir, algumas estratégias efetivas que podem ser adotadas por professores em sala de aula: 

  • 1. Avaliação diagnóstica formativa – Antes de planejar qualquer intervenção, é essencial compreender onde cada estudante está. Avaliações diagnósticas não devem ser confundidas com provas tradicionais. São instrumentos ágeis, como sondagens, mapas de habilidades e tarefas de desempenho, que ajudam a identificar lacunas específicas. O professor pode usar rubricas simples ou mapas de aprendizagem baseados na BNCC para orientar essa análise. 
  • 2. Grupos de apoio com base em níveis de domínio – Com os resultados diagnósticos em mãos, o docente pode agrupar os estudantes por níveis de aprendizagem. Isso não significa rotular, mas sim propor atividades mais personalizadas e efetivas. As intervenções podem acontecer em pequenos grupos durante o contraturno, no reforço escolar ou mesmo em momentos dedicados ao trabalho colaborativo. 
  • 3. Aulas com foco nas habilidades essenciais – Não é possível ensinar tudo de novo em tempo reduzido; por isso, priorizar as habilidades essenciais é fundamental. O MEC e o Consed disponibilizam materiais com a priorização curricular, e redes estaduais como São Paulo e Ceará já organizam seus currículos com esse foco. Planejar a partir dessas competências ajuda o professor a concentrar seus esforços no que realmente importa para o avanço dos estudantes. 
  • 4. Uso de tecnologias educacionais  – A pandemia trouxe aprendizados sobre o uso da tecnologia na educação. Plataformas como o AprendiZap, Khan Academy, Matific, entre outras, podem ser aliadas no processo de recomposição, desde que utilizadas com intencionalidade. Além disso, ferramentas como o Wordwall e o Kahoot podem apoiar a consolidação de conteúdos de forma gamificada. 
  • 5. Recuperação integrada à rotina pedagógica – A recomposição precisa estar integrada ao cotidiano da sala de aula, e não ser encarada como uma etapa à parte. Isso exige planejamento diferenciado, como: revisitar conteúdos com abordagens contextualizadas, retomar os conceitos-chave e estimular a aprendizagem ativa com metodologias como a Sala de Aula Invertida e a Aprendizagem Baseada em Projetos. 
  • 6. Fortalecimento da leitura e da escrita – A leitura e a escrita precisam ocupar o centro do currículo, especialmente nos anos iniciais. Trabalhos com gêneros textuais, produção colaborativa de textos, rodas de leitura e escrita diária são práticas potentes. A leitura precisa ir além da decodificação: ela deve ser ferramenta de interpretação crítica e expressão. 

Qual direção seguir?

Nenhuma estratégia funcionará sem o engajamento dos educadores. O professor precisa ser protagonista nesse processo e, para isso, precisa de apoio institucional. Contudo, investir em formação continuada, especialmente nas áreas de alfabetização, matemática básica e uso de dados, é urgente. A Estratégia 16.2 do novo Plano Nacional de Educação (PNE) propõe justamente essa articulação entre União, estados e municípios para garantir formação universalizada com qualidade. 

Recompor aprendizagens é também recompor sonhos, trajetórias e expectativas. Os dados do SAEB servem como bússola, mas são as ações concretas, feitas por professores comprometidos, com apoio de políticas públicas consistentes, que transformam a realidade. Ou seja, a escola precisa ser mais do que um espaço de aula; ela precisa ser um lugar de recomeços, onde cada estudante encontra sentido no aprender. E nesse caminho, o professor é a ponte, a escuta e a ação. 

Um abraço e até a próxima! 

Sobre o(a) autor(a)

Artigos

Formada em Letras e Pedagogia, com especialização em Língua Portuguesa pela Unicamp, Mestra em Educação pela PUC-SP e FabLearn Fellow, Columbia, EUA. Professora da rede pública de SP, idelizou o trabalho de robótica com sucata, que é uma política pública e metodologia de ensino. Gestora, consultora e formadora docente, considerada uma das dez melhores professoras do Mundo pelo Global Teacher Prize, nobel da Educação. Atualmente, assina a coluna Educação Inovadora no blog Redes Moderna e é autoras dos livros de Robótica com Sucata e Robótica com Sucata II - uma aventura pela criatividade.