Olá pessoal!
Cá estamos nós, juntos e juntas para uma reflexão sobre cidadania e diversidade, temas estes que sabemos, atravessam a educação.
Lembram-se do meu primeiro artigo aqui na Moderna, cujo tema foi ”Escola Diversa” ?
Se o exercício da cidadania é imprescindível para uma sociedade não excludente, para não haver exclusão é imprescindível diversidade, pois é a diversidade que possibilita equidade! Pois bem, se diversidade é fundamental para a vivência dos direitos, como isso se reflete na escola?
Como é ter um corpo docente diverso? E como é não ter um corpo docente diverso? Das vivências que possuo atuando na educação há 12 anos, quando uma escola tem um corpo docente diverso, ela percebe o poder disso. Porque quando há conflito (aliás, conflito não é algo ruim, faz parte da vida) ela conta com uma pluralidade de olhares e de experiências. Num corpo docente diverso há mais potencial para diálogos, para exposições de opiniões contrárias e, portanto, para decisões mais democráticas.
Ao contrário, numa escola onde o corpo docente não é diverso, há pouco espaço para a manifestação daquilo que pode ser diferente do ” senso” comum. Há mais desconfortos em parecer pensar diferente. Em geral, as soluções apresentadas são mais homogêneas quando, por exemplo, as pessoas são de um mesmo grupo étnico, social, econômico, cultural…
Conversei com um professor e uma professora sobre estes assuntos. Primeiro conversei com o professor Rafael Santos.
Professor, para você, quais impactos da presença e da ausência de diversidade num corpo docente?
A diversidade é importante para garantir uma educação voltada para o futuro.
Aqui na escola, nossos estudantes têm a oportunidade de assistir aulas com diferentes professores especialistas de diferentes cores, classes, crenças e ideias.
Essa diversidade no corpo docente é fundamental para se ter diferentes olhares dos diferentes e diversos estudantes que a escola tem.
É cultural da nossa educação agrupar estudantes por idades em séries, turmas, classes ou até mesmo agrupadas, mas não podemos deixar de lado a individualidade de cada estudante e seus múltiplos desafios. A diversidade na equipe docente pode ser uma solução para isso.
Como é para você, professor, atuar dentro de um corpo docente que tem diversidade seja ela étnica, religiosa, social, econômica, cultural….
Atuar dentro de uma equipe diversa é gratificante, isso faz com que você se sinta parte de um todo.
É muito triste quando você trabalha em uma escola onde a equipe escolar é dividida, onde existe grupo de docentes que não se entendem, ou até mesmo uma direção com pensamentos pedagógicos atrasados carregados de estigmas perigosos para crianças de escolas situadas na periferia, como é o caso da nossa.
Nossa escola tem uma equipe formada por pessoas de várias partes da cidade, mas majoritariamente a equipe é de regiões próximas à escola. Isso gera o sentimento de identidade por parte das crianças ao mesmo tempo em que garante o contato com profissionais de diferentes realidades.
E quando essa diversidade inexiste? Ou seja, o que isso afeta seu trabalho e na aprendizagem dos seus estudantes?
Não se garante uma educação de qualidade se ela não for para todos. Uma educação de qualidade é um direito constitucional e ponto. Acontece que o Brasil garante esse direito, mas não diz que educação é essa. O que se espera ao final do processo de escolarização? O que significa qualidade da educação?
A não existência de diversidade na educação é um perigo, pois veda a escola de pensar em dramas que ultrapassam seus muros e que não consideram os desafios por trás de cada criança que ela recebe.
O Brasil é um país diverso por natureza. Não garantir diversidade na educação é um perigo.
Rafael Santos, Professor do ensino fundamental na EMEF chácara Sonho Azul, São Paulo
O professor Rafael Santos nos traz muitas reflexões sobre os impactos da diversidade na educação. Quero destacar aqui um dos pontos mais sensíveis dito pelo professor: ” A não existência de diversidade na educação é um perigo, pois impede a escola de pensar em dramas que ultrapassam seus muros e que não consideram os desafios por trás de cada criança que ela recebe.”
É impossível sentir o que sente o outro. É possível ter empatia, se solidarizar, é possível vibrar com a alegria do outro, mas o sentir é sempre particular. E como então dar conta de tantas complexidades de vivências e sentimentos dentro da escola? Como ter respostas para tantas mediações? É preciso conviver com o que é diverso, com o que é plural. Experienciar ser uma mulher num cargo de liderança é diferente da experiência de ser um homem líder. Ser uma professor surdo é diferente de ser uma professora surda. Um educador negro, uma educadora trans, um coordenador com mais de sessenta anos… São vivencias amplas, ricas em suas existências e, para termos a oportunidade de ouvir, de perceber o outro e de se perceber, só convivendo.
Também conversei com a professora Agnis Freitas, que me contou o seguinte:
A educação e os ambientes escolares sempre estiveram presentes na minha formação. Nascida de uma professora e professor da rede pública de São Paulo, cresci no universo das escolas: entre corredores, sala dos professores, bibliotecas, pátios… Costumo dizer que me vejo um tanto educadora desde que passei a compreender a dimensão da educação na minha vida. Quando digo “educação”, falo das infinitas possibilidades que existem entre ser-aprender-ensinar. Consequentemente, ser-aprender-ensinar, tem como premissa a diversidade: é na diversidade de saberes, de histórias, de origens, que o aprendizado e o ensinamento se tornam palatáveis – para a educadora/educador e educandos.
Minha atuação como professora é recente, considerando que conclui Pedagogia há um pouco mais de um ano. Contudo, acredito que sempre fui uma observadora: a (pouca) diversidade dos corpos docentes, principalmente na universidade, sempre me chamaram a atenção. Atualmente, atuante na educação infantil de uma escola localizada em uma das regiões mais caras e brancas de São Paulo (Pinheiros), percebo, em alguns momentos, como estar em um universo majoritariamente branco me oferta inúmeros desconfortos: ser colocada no lugar da “exótica” ou a pessoa negra que levará conteúdos relacionados à raça, afinal, é a minha maior especialidade. Ao mesmo tempo, percebo o quanto a presença de docentes negras e negros, de diferentes territórios da cidade, com diferentes identidades de gênero, tornam-se pedagógicos e ensinadores desde o primeiro contato com as crianças e suas famílias.
Acredito que, quando vivida desde o princípio, a diversidade (seja ela racial, de gênero, de sexualidade, religiosa, territorial) torna-se uma grande ferramenta pedagógica: é através desta que compreendemos a grande teia de saberes formada em uma sala de aula.
Professora Agnis Freitas, Professora de Educação Infantil no Município de São Paulo
Quando a professora Agnis diz que viver a diversidade é compreender a grande teia de saberes formada em uma sala de aula, creio que podemos pensar como exemplo no perigo da história única. A história única é aquela que diz que todo e qualquer herói tinha sempre a mesma cultura, o mesmo padrão estético. Que os saberes vêm de um mesmo lugar. Que há hierarquia intelectual entre as pessoas a depender de qual povo, qual país, qual religião, qual cultura ela veio. É aquela história contada a partir de uma única perspetiva e que, na maioria das vezes, é uma perspectiva eurocêntrica.
E assim, dia após dia. Anos após ano, aprendemos errado e ensinamos errado.
Uma grande aliada na valorização da diversidade é a curiosidade. Somos seres curiosos. Às vezes, depois de adultos, essa curiosidade pode adormecer, mas é bem possível que, dando uma movimentada nas coisas, ela volte a aflorar. A curiosidade nos faz descobrir o novo, certo? E esse novo muitas vezes nos tira da zona de conforto!
Uma escola que pode contar com um corpo docente diverso terá grandes oportunidades de construir projetos de vida e aprendizagens duradouras com seus estudantes e com toda comunidade escolar.
Mas afinal, como construir um corpo docente diverso na escola?
Quero compartilhar algumas dicas, mas de forma alguma quero que isso pareça uma receita pronta. Implementar intencionalmente a diversidade na escola é um trabalho que precisa ser contínuo. Precisa ser participativo e, principalmente, é imprescindível vontade. Sim, vontade! Porque o primeiro passo para implementar qualquer mudança, qualquer melhoria, é justamente a vontade de fazer isso.
Se sua escola quer ter um corpo docente diverso, minhas dicas são:
- Pensar sobre o motivo. Afinal, por que a escola quer isso? Pra quê? Que diferença isso vai fazer? Pode parecer óbvio né? A resposta pode ser: Ora, porque é o certo. Porque agora está todo mundo falando sobre isso. Porque se não fizermos isso vamos perder o evento de final de ano…
Pense nos reais motivos. Precisa ser verdadeiro, genuíno.
Precisa ser importante para você, para sua comunidade.
- Faça um levantamento: Analisando o corpo docente hoje, como está a diversidade de gênero, de religião, racial, social.. É tudo muito muito parecido? Depois de fazer esta observação, qual foi o resultado? Foi bom?
- Como se sentem os professores, coordenadores e gestores? Eles sentem que trabalham com pessoas diversas, que poderão propor ideias também diversas? Imagine se na sua escola só há um professor negro. Você acha que ele se sente à vontade no espaço? Se há somente um professor surdo e só um outro professor que sabe libras. Será que a interação no dia a dia é boa? Ou será que há uma limitação de conversas, de trocas? Se a escola faz um trabalho no dia das mães, como estas mães são apresentadas? Sempre iguais? Todas em casa, preparando o jantar? Ou além destas mães há também aquelas que são mecânicas, lojistas, recepcionistas, médicas, cientistas, babás…E quem define o perfil ou os perfis de mãe neste trabalho escolar?
Desafiador, né?
Mas ao mesmo tempo gratificante. Porque é gratificante permitir ao estudante e a si próprio a possibilidade de pensar junto e de co-criar, inclusive com quem pensa diferente. Com quem acredita em outras coisas.
Permitir afetar-se!
Como é aí na sua escola? Que tal me contar sobre como está acontecendo, ou como vocês desejam ver a diversidade acontecer, na prática docente?
E como vocês já sabem…esta história não acaba nem aqui nem lá. Esta história tem muito para contar. E eu que estou indo embora, te encontro já já.
Até a próxima
Janine Rodrigues
Escritora, educadora Fundadora da Piraporiando